Praia de Iracema – Há que cuidar

Normalmente eu escrevo sobre idéias e temas genéricos. Mas hoje quero falar de um problema local e atual aqui de Fortaleza: A Praia de Iracema

Resido em Fortaleza desde 1999 e o dia que eu cheguei foi mesmo dia onde conheci o saudoso e maravilhoso Cais Bar. Desse dia em diante o Sá Filho e o Barry White são testemunhas que minhas visitas por lá eram muito freqüentes – várias vezes por semana. Esse foi um tempo maravilhoso. Todo o dia à tardinha o público, devagarzinho, começava a encher a Praia de Iracema, que ficava linda nos tons do pôr-do-sol. Casais caminhando de mãos dadas, famílias com suas crianças correndo, pessoas de todas as cores e todos os lugares do país e do mundo, passeavam por aquele corredor de barzinhos aconchegantes, com um povo acolhedor, sempre com um sorriso no lábios, amizade pronta pra ser cativada, bons papos, bons humores, boas paqueras, uma enorme diversidade cultural e musical e pra completar, ainda tinha o Pedacinho do Céu. Me lembro do Cais, do Brasil Regional, do Compasso, do Mincharia, do Pirata, do boliche e muitos outros. Quando chegava a noite, a luz dos refletores no mar mostrava os tons maravilhosos do mar do Ceará associado às luzes e o colorido das decorações das casas, o que criava uma mistura ímpar de pessoas, cores, formas, ondas e luzes que levarei comigo enquanto viver.

Este sempre foi um lugar de muitas histórias, muitos momentos marcantes na vida de tanta gente. Para mim marcou muito. Era como um refúgio para quem ainda não tinha muitos amigos na cidade. Conheci muita gente legal por lá. Era um dos lugares mais encantadores que eu já conheci, e entretanto, todas as histórias que ouvi, sempre disseram que o melhor tempo por lá foi lá por volta de 1992 a 1996. Imagino como terá sido. Fico com pena de não ter seguido um impulso que tive nessa época para vir conhecer esta terra.

Mas para o desgosto de muitos milhares de pessoas que lá passaram, aí veio a decadência. Mais ou menos em 2000-2001, as autoridades começaram a combater a alarmante prostituição na Av.Beira-Mar. Naquela época, haviam várias boates e bingos e o número de prostitutas era realmente muito elevado. Tradicionalmente este é um lugar de passeio de famílias, esportistas e turistas, além de um dos pontos mais lindos de Fortaleza. A presença das prostitutas realmente atrapalhava.

Segundo noticiado na mídia, foram então colocadas câmeras de vigilância para identificar os líderes e as prostitutas com o objetivo de removê-las de lá. Trabalho este muito bem feito e muito eficiente por parte das autoridades. A Beira-Mar realmente melhorou significativamente depois dele.

Só que esta não é a profissão mais velha do mundo à toa. Se as prostitutas não podiam ficar ali, é claro que elas vão pra outro lugar. E que lugar melhor do que outro ponto maravilhoso, perto de lá e com ótimos lugares para conhecer possíveis clientes ? Possivelmente ia ser melhor ainda.

E assim elas vieram. Começaram a chegar em peso, estando por todo lado por volta de 2002. Ainda me lembro de olhar uma menina na mesa me paquerando e quando cheguei até ela recebi o “olha eu faço programa” que não esperava. Outra vez me lembro de comentar com um amigo: “Olha que menina gatinha” e ele responder: “você realmente não conhece uma p*** quando vê uma né ?”. Não eu não conheço. Nunca gostei desse tipo de ambiente e me dá uma profunda tristeza saber que uma mulher, muitas vezes linda, um ser humano com a capacidade potencial de mudar o mundo, possa se achar tão incapaz que veja como sua única opção vender o corpo. Quando eu vejo uma mulher que se prostitui eu nunca vejo a prostituta, vejo a menina frágil, que chorou rios de lágrimas e viu tanto sofrimento até se transformar no que é hoje. Vejo as que não tiveram oportunidade de conhecer o lado mais elevado da vida devido a uma secular exploração da maioria por alguns, levando-a a se apegar ao que há de mais medíocre na vida. Vejo o terrível desprezo por sua terra natal, por ignorância, ao tentar achar homens de terras distantes para casar, porque não vêm possibilidade de sobrevivência aqui.

O fato é que quando prostitutas começam a freqüentar um lugar onde antes não existia prostituição a óbvia conseqüência é que as mulheres, para não serem confundidas com elas, vão embora. Quando as mulheres vão embora, os homens que não procuram prostitutas, as seguem, e aí ficam somente as prostitutas e quem as procura. Mesmo que tentemos olhar sem preconceito para um estilo de vida diferente do nosso, fica difícil aceitar que pessoas que procuram meninas de 13, 14 anos com intenção de pagar por sexo, possam trazer aspectos positivos para qualquer lugar. É notório que este tipo de público vem sempre acompanhado da marginalidade. E é esta mesma marginalidade que tem arruinado de forma devastadora o ponto mais bonito da cidade, um corredor cultural de fama nacional e internacional.

As causas dessa falta de cuidado com a Praia de Iracema são motivo de muitos comentários. Ouve-se falar de especulação imobiliária, interesse em manter o turismo sexual, falta de atuação das autoridades, entre outras. Para mim entretanto a impressão que fica é que esta falta de cuidado está sempre baseada na falta de sentimento do povo Fortalezense por sua terra. Este é um dos aspectos que mais estranhei quando vim para o Ceará. Quando aqui cheguei, vi uma terra linda, uma beleza de encher os olhos, com uma riqueza indescritível. E no entanto a impressão que tenho é que, por algum motivo, para quem é daqui, parece que a riqueza está sempre em outro lugar. Está mais do que na hora dos cearenses abrirem o olhos para a grandiosidade e riqueza de sua terra. Porque quando possuímos riquezas, temos que cuidar delas, ou chega alguém e as pega pra si. Este processo entretanto já começou faz tempo. Me lembro de ouvir um nativo em Jericoacoara dizendo que um estrangeiro dono de alguns terrenos, tinha fechado um lugar por onde eles sempre passavam e reclamado que Jericoacoara estaria quase toda na mão de quem não é de lá.

Vejo também hotéis e mais hotéis sendo construídos na beira da praia por quem é de fora em lugares incríveis e vejo os lugares mais esplendorosos serem vendidos a preços irrisórios.

Ô tristeza grande. Porquê, um lugar tão maravilhoso, uma beleza que enche o olhos e o coração do mais frio dos espectadores, não desperta um enorme sentimento de amor por seu povo ? Deveria. Deveria ser melhor cuidado.

Há que cuidar. Mais do que nunca, há que cuidar do que temos. Precisamos cuidar de nossa memória e de nossa história. É certo que a vida não é só seriedade e trabalho. Festas, diversão, conversas, reuniões, de amigos, música, são a alegria da vida. Mas para que esta alegria prospere há necessidade que este aspecto da vida seja limitado ao tempo que é adequado e que não nos esqueçamos de nossas responsabilidades e do trabalho que temos que realizar para preservar o que temos e avançar para novas etapas no futuro.

Então está mais do que na hora das autoridades Fortalezenses repetirem o excelente trabalho que fizeram na Beira-Mar em 2000-2001, desta vez na Praia de Iracema, para que possamos trazer de volta a nossas vidas a maravilhosa praia dos amores, praia das artes, praia dos encontros, praia da música, praia da alegria, praia do pôr-do-sol, Praia de Iracema.

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