Piadas de negros

Já recebi algumas vezes o email abaixo, com o título “O perigo de mexer com pessoas inteligentes” e texto atribuído ao humorista Danilo Gentil. Acredito que o texto seja realmente de sua autoria.

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O humorista Danilo Gentili postou a seguinte piada no seu twitter:

“King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?”

A ONG Afrobras se posicionou contra: “Nos próximos dias devemos fazer uma carta de repúdio. Estamos avaliando ainda uma representação criminal”, diz José Vicente, presidente da ONG. “Isso foi indevido, inoportuno, de mau gosto e desrespeitoso. Desrespeitou todos os negros brasileiros e também a democracia. Democracia é você agir com responsabilidade” , avalia Vicente.

Alguns minutos após escrever seu primeiro “twitter” sobre King Kong, Gentili tentou se justificar no microblog:

“Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?” (GENIAL) “Na piada do King Kong, não disse a cor do jogador. Disse que a loira saiu com o cara porque é famoso. A cabeça de vocês é que têm preconceito.”

Mas, calma! Essa não foi a tal resposta genial que está no título, e sim ESTA:

“Se você me disser que é da raça negra, preciso dizer que você também é racista, pois, assim como os criadores de cachorros, acredita que somos separados por raças. E se acredita nisso vai ter que confessar que uma raça é melhor ou pior que a outra, pois, se todas as raças são iguais, então a divisão por raça é estúpida e desnecessária. Pra que perder tempo separando algo se no fundo dá tudo no mesmo?

Quem propagou a ideia que “negro” é uma raça foram os escravagistas. Eles usaram isso como desculpa para vender os pretos como escravos: “Podemos tratá-los como animais, afinal eles são de uma outra raça que não é a nossa. Eles são da raça negra”.
Então quando vejo um cara dizendo que tem orgulho de ser da raça negra, eu juro que nem me passa pela cabeça chamá-lo de macaco, MAS SIM DE BURRO.
Falando em burro, cresci ouvindo que eu sou uma girafa. E também cresci chamando um dos meus melhores amigos de elefante. Já ouvi muita gente chamar loira caucasiana de burra, gay de v***** e ruivo de salsicha, que nada mais é do que ser chamado de restos de porco e boi misturados.
Mas se alguém chama um preto de macaco é crucificado. E isso pra mim não faz sentido. Qual o preconceito com o macaco? Imagina no zoológico como o macaco não deve se sentir triste quando ouve os outros animais comentando:
– O macaco é o pior de todos. Quando um humano se xinga de burro ou elefante dão risada. Mas quando xingam de macaco vão presos. Ser macaco é uma coisa terrível. Graças a Deus não somos macacos.
Prefiro ser chamado de macaco a ser chamado de girafa. Peça a um cientista que faça um teste de Q.I. com uma girafa e com um macaco. Veja quem tira a maior nota.
Quando queremos muito ofender e atacar alguém, por motivos desconhecidos, não xingamos diretamente a pessoa, e sim a mãe dela. Posso afirmar aqui então que Darwin foi o maior racista da história por dizer que eu vim do macaco?
Mas o que quero dizer é que na verdade não sei qual o problema em chamar um preto de preto. Esse é o nome da cor não é? Eu sou um ser humano da cor branca. O japonês da cor amarela. O índio da cor vermelha. O africano da cor preta. Se querem igualdade deveriam assumir o termo “preto” pois esse é o nome da cor. Não fica destoante isso: “Branco, Amarelo, Vermelho, Negro”?. O Darth Vader pra mim é negro. Mas o Bill Cosby, Richard Pryor e Eddie Murphy que inspiram meu trabalho, não. Mas se gostam tanto assim do termo negro, ok, eu uso, não vejo problemas. No fim das contas, é só uma palavra. E embora o dicionário seja um dos livros mais vendidos do mundo, penso que palavras não definem muitas coisas e sim atitudes.
Digo isso porque a patrulha do politicamente correto é tão imbecil e superficial que tenho absoluta certeza que serei censurado se um dia escutarem eu dizer: “E aí seu PRETO, senta aqui e toma uma comigo!”. Porém, se eu usar o tom correto e a postura certa ao dizer “Desculpe meu querido, mas já que é um afrodescendente, é melhor evitar sentar aqui. Mas eu arrumo uma outra mesa muito mais bonita pra você!” Sei que receberei elogios dessas mesmas pessoas; afinal eu usei os termos politicamente corretos e não a palavra “preto” ou “macaco”, que são palavras tão horríveis.
Os politicamente corretos acham que são como o Superman, o cara dotado de dons superiores, que vai defender os fracos, oprimidos e impotentes. E acredite: isso é racismo, pois transmite a ideia de superioridade que essas pessoas sentem de si em relação aos seus “defendidos”
Agora peço que não sejam racistas comigo, por favor. Não é só porque eu sou branco que eu escravizei um preto. Eu juro que nunca fiz nada parecido com isso, nem mesmo em pensamento. Não tenham esse preconceito comigo. Na verdade, SOU ÍTALO-DESCENDENTE. ITALIANOS NÃO ESCRAVIZARAM AFRICANOS NO BRASIL. VIERAM PRA CÁ E, ASSIM COMO OS PRETOS, TRABALHARAM NA LAVOURA. A DIFERENÇA É QUE ESCRAVA ISAURA FEZ MAIS SUCESSO QUE TERRA NOSTRA.
Ok. O que acabei de dizer foi uma piada de mau gosto porque eu não disse nela como os pretos sofreram mais que os italianos. Ok. Eu sei que os negros sofreram mais que qualquer raça no Brasil. Foram chicoteados. Torturados. Foi algo tão desumano que só um ser humano seria capaz de fazer igual. Brancos caçaram negros como animais. Mas também os compraram de outros negros. Sim. Ser dono de escravo nunca foi privilégio caucasiano, e sim da sociedade dominante. Na África, uma tribo vencedora escravizava a outra e as vendia para os brancos sujos.
Lembra que eu disse que era ítalo-descendente? Então. Os italianos podem nunca ter escravizados os pretos, mas os romanos escravizaram os judeus. E eles já se vingaram de mim com juros e correção monetária, pois já fui escravo durante anos de um carnê das Casas Bahia.
Se é engraçado piada de gay e gordo, por que não é a de preto? Porque foram escravos no passado hoje são café com leite no mundo do humor? É isso? Eu posso fazer a piada com gay só porque seus ancestrais nunca foram escravos? Pense bem, talvez o gay na infância também tenha sofrido abusos de alguém mais velho com o chicote.
Se você acha que vai impor respeito me obrigando a usar o termo “negro” ou “afrodescendente” , tudo bem, eu posso fazer isso só pra agradar. Na minha cabeça, você será apenas preto e eu, branco, da mesma raça – a raça humana. E você nunca me verá por aí com uma camiseta escrita “100% humano”, pois não tenho orgulho nenhum de ser dessa raça que discute coisas idiotas de uma forma superficial e discrimina o próprio irmão.”

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Entendo o posicionamento dele. Entendo que ele não é nem pretendeu ser racista. Eu mesmo como português que sou, encaro as brincadeiras com portugueses no Brasil de forma tranquila. Quem me conhece sabe muito bem que sou o primeiro a brincar com isso.
Mas ainda acho que o comentário no twitter foi inadequado. Acho que realmente piadas e humor em relação a negros devem ser evitados publicamente. Esse tipo de piada pode ser feito com amigos que te conheçam, estejam em uma boa situação, saibam do seu pensamento, ou seja, amigos com quem vc tenha intimidade.
Agora publicamente e em especial com pessoas que vc não conhece, não é o correto. Explico-me.
Como o próprio Danilo admitiu a parcela da população que tem pele escura, foi discriminada por séculos e séculos e tida como uma raça separada e pior que isso inferior às demais. Foram escravizados, torturados, humilhados de todas as formas possíveis e imagináveis. As conseqüências desses atos ainda se fazem sentir nos dias de hoje. Pessoas de pele escura ganham comparativamente menos, têm trabalhos piores, são uma parcela pequena dos estudantes universitários, são tratados diferentemente pela polícia e instituições. Ou seja, o “ranço” cultural desse enorme sofrimento ainda se faz sentir.
O mesmo não acontece com outros grupos populacionais. Gays e Judeus, têm elevados níveis culturais e financeiros. Embora também seja necessário acabar com o preconceito no caso deles, acredito que o grupo que é considerado “negro” ainda está em uma situação que precisa de atenção. É por isso que precisamos sim tratar os negros de forma diferenciada. Ao menos por alguns séculos, até que esse terrível aspecto cultural seja neutralizado. Nenhum outro grupo passou o que eles passaram. Nem são vistos da mesma forma.
E é pior sim se chamar um negro de macaco do que um branco de girafa. Porque no caso do branco, isso é só uma brincadeira com aquela pessoa específica. Além disso, girafas não são teoricamente ancestrais do homem. Ao se fazer essa comparação, não se evoca nada além de uma brincadeira com uma pessoa que não é discriminada por ninguém.
Mas ao se comparar um negro com um macaco, várias idéias estão associadas. Está associado por exemplo o fato de se acreditar que este animal é um ancestral do homem, por isso está se chamando aquela pessoa de retardado, atrasado, animalizado. Está se associando também aquela pessoa a uma capacidade mental inferior. Portanto chamar alguém de macaco é também chamar de burro. É dizer que aquela pessoa está em uma condição inferior e fazer isso de uma forma sarcástica e intencionalmente cruel.
Não há intenção de crueldade em se comparar alguém com uma girafa e sim a intenção de fazer uma brincadeira saudável.
O que precisamos entender é que embora o autor deste texto encare isto como uma piada normal, assim como também eu encaro, muitas pessoas ainda têm influências culturais negativas que perpetuam o problema do racismo. Eu e vc leitor, podemos ler o comentário e rir sem maiores problemas de uma brincadeira que deveria ser normal. Mas uma grande parte das pessoas que lê este comentário, vai encontrar nele reforço para seu preconceito. E este é um preconceito enraizado por demais na sociedade que precisa ser combatido e não fortalecido.
Vamos todos auxiliar a que este terrível aspecto de nossa humanidade seja abolido o quanto antes. Vamos nos aproximar. Precisamos de uma humanidade em paz e sem preconceitos.

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