O limite da arte

Recentemente alguns espetáculos que foram encenados foram considerados particularmente extremos por alguns. Baseado nisso fiquei aqui refletindo a respeito do limite da arte. Este é obviamente um assunto muito controverso e difícil porque arte é um dos conceitos mais subjetivos que existem. Devido ao seu nível de subjetividade ele é compreendido das formas mais diversas pelas pessoas mais diversas. Então é sempre difícil chegar a um acordo a respeito dos muitos conceitos que circundam este tema.
Quando pensamos em arte pensamos em quadros, esculturas, peças de teatro, cinema, ópera, vídeo, instalações, poesia, literatura, design, arquitetura… tantas e tão diversas coisas que falar de “limite para a arte” soa meio estapafúrdio, meio que falta de entendimento do conceito “arte”.
É justamente esse o problema. A subjetivação é tanta que não se pode chegar a um consenso do que é realmente arte. Não há como traçar uma linha fixa onde se defina claramente isto é arte e isto não é arte. Essa linha é muito borrada e muita coisa passa de um lado para o outro simplesmente pelo olhar de quem vê.
Então eu posso colocar um papel em cima de uma mesa e dizer que isso é arte ? Pra mim isto parece ser um pouco de exagero. Mas se eu dobrar o papel e fizer um origami, já é arte. Uma cortina na parede pode ser considerada arte ? Um pneu no chão ? Esperar o ônibus pode ser arte ? Talvez… se fizermos alguma intervenção. Talvez possa. Que intervenção ? Assalto também é intervenção. Então assalto é arte ? Quem sabe aparece um para dizer que sim. Mas se você disser que não, então esse é o limite da arte ? Não causar perda ao outro ? O que os masoquistas diriam disso ? Arte chega para debater questões ? Então se eu fizer uma reunião lá em casa para debater algo isso é arte ? Só se estiver no formato de uma peça de teatro ? Não ? tem limite então ? Arte então é o que nos traz contemplação, reflexão ? Talvez arte seja algo limiar como o fogo… algo no meio do caminho entre o definido e o indefinido, entre o real e o imaginário. Algo que nasceu para ser uma linha do horizonte imaginária que se move mais e mais para longe ao procurarmos alcançá-la e tem como objetivo final somente a nossa própria evolução e a ampliação sensorial, mental, sentimental, espiritual.
Mas essa linha excessivamente ‘borrada’ ao redor da definição de arte causa um problema sério: como valorizar talentos extraordinários ? Como reconhecê-los ? Com um conceito vago tudo se nivela. Alguém que não tenha talento para cantar pode procurar outras formas de arte para se expressar. Então todos somos “artistas” ? Mas aí caímos em outro problema, como reconhecer um charlatão ? Aquele que quer apenas se aproveitar dessa subjetividade para lucrar. Ele pode simplesmente inventar uma historinha para se justificar e pronto: é arte. É justo dar a ele esta liberdade ? É justo que um Michelangelo ou um Rodin sejam comparados em grau de importância a alguém que fez um origami que aprendeu na internet se ele disser por exemplo que aquele avião de papel que acabou de fazer e colocar em cima da mesa é “uma instalação para trazer a reflexão do sentido de voar”. Mas tudo é arte e arte não tem limite. Então, por esse conceito sim… os dois têm a mesma importância.
E a qualidade onde fica ? Ela é obrigatoriamente desassociada da arte ? Arte não tem realmente hierarquia ?
O que estou querendo demonstrar é que embora seja difícil de admitir para muitos especialmente para os menos talentosos que buscam explicações rebuscadas para sua falta de talento, arte tem sim limite. Arte precisa ser estudada. Não é só chegar e fazer qualquer coisa. Vc precisa conhecer quem veio antes de você. Precisa conhecer a técnica ou inventar uma, mas sabendo que aquilo que foi desenvolvido e aprimorado durante muito tempo, ao custo de muito sacrifício e dedicação tem sim mais valor do que aquilo que você acabou de inventar.
Porque se não for assim o que resta ? Decadência. Se não for exigido estudo, qualidade, refino e aceitarmos que absolutamente qualquer coisa é arte, qualquer coisa é válida, o que acontece é que um talento extraordinário não teria qualquer incentivo para se desenvolver. O caminho é para cima. Devemos recusar a espiral descendente em prol da ascendente.
Qualidade é imprescindível. Talento é insubstituível. A arte tem sim limite.

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